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Nós fomos ter às portas, às barreiras,
Em que uma negra multidão se apinha
De tecelões, de fumos, de caldeiras.
Mas a noite dormente e esbranquiçada
Era uma esteira lúcida de amor;
Ó jovial senhora perfumada,
Ó terrível criança! Que esplendor!
E ali começaria o meu desterro!...
Lodoso o rio, e glacial, corria;
Sentamo-nos, os dois, num novo aterro
Na muralha dos cais de cantaria.
Nunca mais amarei, já que não amas,
E é preciso, decerto, que me deixes!
Toda a maré luzia como escamas,
Como alguidar de prateados peixes.
E como é necessário que eu me afoite
A perder-me de ti por quem existo,
Eu fui passar ao campo aquela noite
E andei léguas a pé, pensando nisto.
E tu que não serás somente minha,
Às carícias leitosas do luar,
Recolheste-te, pálida e sozinha,
À gaiola do teu terceiro andar!"
Cesário VERDE, 1855-1886
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